domingo, 27 de dezembro de 2015

Tem muito tempo.

tem muito tempo que não pego no papel. me sinto um pouco velha. não velha, velha com rugas. mas velha como se tivesse se passado muito tempo. mas não me sinto mais sábia. o tempo passou rápido, ontem mesmo eu estava com os meus seis melhores amigos tocando violão no pátio da escola e me perguntando se eu realmente iria sentir falta daquilo. meus amigos não estão na cidade. tão por aí, em nova york, paris, londres, lisboa e eu aqui tentando entender como é que eu recebo meu diploma em duas semanas. como é que meu anti penúltimo amor virou um desamor e como que pessoas que eu jamais sonharia com agora quero perto de mim, tão perto que fica difícil respirar. quando é que eu passei de estou chorando na posição fetal por você para eu não me importo com droga nenhuma. quando é que o chocolate ficou tão caro assim, eu quero um namorado para sustentar meus desejos irracionais de cacau às quatro da manhã. mas eu não quero ter que atender telefone quando estiver no bar, nem ser obrigada a sair de casa às oito da noite para ir em algum lugar onde cara, tem uma festa muito legal e você tem que conhecer meu amigo que trabalha comigo mas você não conhece porque você tá sempre cansada demais pra sair. eu quero continuar amando todo mundo, mas tá difícil quando trocam meu amor por um chute no estômago no meio de uma tal festa qualquer.

tem muito tempo que eu não pego no papel. eu quero encher minha pele de tinta até me arrepender. não consigo olhar para fotos do meu irmão durante muito tempo mas não tem ninguém com quem eu possa falar sobre isso sem parecer piegas. alguém me diz que eu sou nova demais para preencher todo meu corpo com memórias - onde é que eu vou colocar as outras memórias de quando eu for mais velha. não sei se quero ser mais velha. acho que meu corpo tá finalmente chegando na idade da minha cabeça. não sou madura o suficiente, mas não sei se um dia vou ser. quando eu era pequena e estava muito animada para alguma coisa, eu achava que essa coisa nunca ia chegar, que eu ia morrer antes de acontecer - fosse meu aniversário, uma prova - ou o ano novo. quem eu estou enganando, eu ainda acho às vezes eu não vou ver a próxima semana chegar.

tem muito tempo que eu não pego no papel. é que eu passo madrugadas gastando um dinheiro que não é meu com amigos que eu não sei direito se são meus, em bares que eu não conheço, com garçons que eu nunca vi a cara. acho que meus amigos tão bebendo demais.

tem muito tempo que eu não pego no papel. eu sempre digo que eu vou quebrar o coração dele. alguma coisa vai dar errado. tá tudo muito certo e quanto tá tudo muito certo a gente desconfia. eu quero que as coisas fiquem assim, mas eu quero mais - não menos, talvez igual, mas mais com certeza, e acho que se eu quiser mais eu vou me arrepender, é que nem quando você come aquele último pedaço da torta depois de ter comido três pedaços seguidos e mesmo assim enfia mais uma colherada na boca e sente seu estômago se expandir na barriga. você jura que vai morrer de comer e isso é tipo a melhor forma de acharmos que vamos morrer. a primeira acho que todo mundo concorda qual é.

tem muito tempo que eu não pego no papel. é medo de escrever que quero me entregar pra ele, de cabeça e tudo, mas tenho medo das nossas cabeças colidirem. é que me ensinaram por muito tempo que eu não podia ser eu, que eu não podia nem chorar pequeno nem EXPLODIR E MULTIPLICAR MEU TAMANHO, porque emoções de verdade assustam. nem todo mundo tá preparado para lidar com o sentimento alheio. é por isso que eu não pego no papel há muito tempo: porque não quero escrever sobre pessoas emocionalmente incapazes, sobre monstros emocionais.

tem muito tempo que eu não pego no papel. porque tá tudo corrido e tudo passa rápido, quando eu vejo já são 23:33 e eu queria estar assistindo a quarta temporada de mad men, mas na verdade tô arrumando alguma coisa que eu ainda não arrumei mesmo tendo me mudado há 10 meses.

tem muito tempo que eu não pego no papel. eu talvez estivesse me afastando de gente que me faz mal, mas que eu gostaria que me fizesse bem e por isso foi tão difícil. elas provavelmente nunca vão entender. talvez eu estivesse ocupando meu tempo tentando aproveitar minha própria companhia porque percebi que as pessoas morrem e que as pessoas vão embora sem mais nem menos e é muito importante se amar, com todos os clichês e ridiculices da expressão. eu não sei me amo ainda, mas gosto mais de mim do que quando fui abandonada da última vez.

tem muito tempo que eu não pego no papel.
as coisas estão bem. por isso eu não pego tanto no papel.
ainda tenho - ah - tempo.

3 comentários:

  1. Oi! Não te conheço nem nada, mas um amigo me indicou seu blog há um tempinho e eu tenho visitado desde então... Queria só dizer que você escreve maravilhosamente bem. Seus textos e poesias são lindos e me fazem um bem danado, brigada! E é muito louco como eu me identifico com umas coisas que nem tem a ver comigo, só porque suas palavras tem essa capacidade, mesmo... Sei lá o que vim fazer comentando, só achei que você gostaria de saber.

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    1. Oi, Paula! Que amigo foi esse, pra eu agradecer? Obrigada por ler e tirar um tempinho do dia para escrever de volta. Agradeço demais o elogio e fico muito feliz que os textos te fazem bem. Tudo o que você falou enchem meu coração de felicidade: é pra isso que eu escrevo. muito obrigada! Um beijo, Giulia.

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    2. Foi o Zeca Alvarenga, da PUC. E imagina, não fiz nada além de dizer a verdade.

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