domingo, 28 de setembro de 2014

Carapemã.

Alguém uma vez falou que todo mundo da cidade grande precisa de um refúgio. Todo homem trabalhador precisa virar bicho do mato de vez em quando, botar o pé na areia molhada com o luxo de não ter carros barulhentos, prédios chiques e uma pilha de guarda-sóis - nada contra, Copabacana. Carapemã era isso e um pouco mais. O céu era tão estrelado que ela difícil contar estrelas. Ao se deitar na rede ou na cama, não dava para não ouvir o barulho das ondas do mar aberto, furioso - tão diferente da sensação que ele nos causava - arrebentando no paredão de areia alto. Dava para ouvir os milhares de gafanhotos, grilos, até vagalumes ao pé da janela, aproveitando a noite quieta.

Os dias no refúgio passam devagar. Diz que depois de muito tempo, você até pensa na cidade grande com um quê de saudosismo, como se tudo tivesse parado por lá também. É bem verdade que o homem do século XXI se angustia com a capacidade do mundo não parar. Estamos fadados ao ciclo quase eterno das voltas da terra em seu próprio eixo e nós aprisionados na contagem das vinte quatro horas que, em teoria, marcam nosso dia, mas na verdade não significam absolutamente nada. Ainda acho que um dia poderia contar duas noites e ninguém ia morrer por isso.

A questão toda era que por lá, onde a areia era relativamente mais grossa pela falta de atrito, o tempo parecia, de fato, mais subjetivo. Com um quê de viola e rede, cerveja e conversas a beira de uma varanda, juntinho ao mar. Era isso. Era só isso. E as pessoas poderiam viver ali para sempre. Poderiam amar ali pra sempre.

Um garoto se balança na rede. Uma menina de cabelos mel em pé, próxima, encostada num dos pilares que segura a rede, com um livro meio aberto entre os dedos. Machado, não sei. Não dá pra ver o título. Ela, tímida. Ele, hesitante. O certo é pra sempre. Venta num final de tarde de meio de verão. É carnaval, é corpus christi. Já nem sei. Lá, não faz diferença ser feriado. O comércio abre quando quer. Lá, eu juro que só o amor e a música acelera o coração. E talvez o pique pega na beira da praia.

O garoto levanta a mão e faz um sinal. Vem pra cá. Ela assente, curiosa. Se deita na rede. Aprumados, ele puxa o violão. Toca algo que poderia ser um cantor havaiano, skank, quem sabe até oasis. Não dá pra saber. Não precisa saber. Não precisa ter letra. O barulho do mar acompanha o dedilhar das cordas. Ela olha pra cima, deitada no peito dele, dividindo o colo com o violão de um estranho. Ele olha pra baixo, pra ela. Se olhar pro mar dá uma sensação paradoxal de calmaria e tempestuosidade, olhar pros olhos dela é certeza. O coração fica pequeno e grande ao mesmo tempo.

As estrelas durante o dia caem na lagoa, que tintilam na superfície. Estalam no peito, convidando os pequenos problemas do dia a dia a ser evaporarem. A cor da água é esquisita frente ao mar azulzão. A natureza é tão perfeita que parece que o homem tem medo e destruiu ela toda, por isso que refúgios como esse são para aqueles que viram que quem é assustador, na verdade, é o próprio homem. Porque o homem é capaz de destruir tudo a sua volta, até mesmo o que lhe faz bem. Só porque falta coragem.

Mas não por lá. Lá é simples. Lá tudo funciona. E é por isso que é difícil saber que não dá mais para voltar pra lá. Tem gente que vai ter essa sorte mais que uma vez, outras vezes. Como aqueles dois. Ela e ele sempre terão o refúgio, o recanto. A rede, o livro, o violão, o mar batendo na areia. Deles e só deles. Lá e só lá. Lá, sol, lá.

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