sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Incêndios.

tá tudo pegando fogo. lembro que achava uma loucura na aula de biologia da sétima série, aquela história louca da combustão do oxigênio e o mecanismo da respiração - como é mesmo que não pegamos fogo? o professor dizia que ó, o corpo humano é realmente perfeito. perfeito. aquilo ecoa. minha serotonina já tava negativa e eu nem sonhava. na teoria, o corpo é perfeito. na prática, nem tanto. ele é diariamente massacrado pelas notícias, pelos outros. espezinhados, me pergunto se é só metafórico mesmo. tá tudo pegando fogo. o meu peito tá em chamas e não é culpa da combustão mal feita do organismo. eu não sei se fui feita para funcionar. disse pra mim mesma que era biológico. eu gostaria incendiar, pegar fogo. a falta de tesão me irrita. a falta de tesão dos outros me brocha. a velha história do ninguém se escuta não cola mais. eu não aguento mais ouvir que as relações são vazias. tudo um discurso, aquele repeteco escroto que a gente vê no instagram. mas o instagram agora é ganha pão. por mim tacava foco no instagram. metaforicamente. tá tudo pegando fogo. as arvores, a amazonia, ano após ano. e a gente dorme à noite. a gente bebe a cerveja no bar enquanto critica um sistema falho, mas que se perpetua hora após hora. faríamos diferente? é como um hamster correndo na sua rodinha. corre até não aguentar, a rodinha continua rodando e ele é atirado pra fora pela força da gravidade - a terra não para. e tá um pouco tarde demais para discursos românticos, talvez até como esse aqui, sobre pare o mundo que eu quero descer. a vida é tiro porrada e bomba mesmo. ninguém tem pena. ninguém sabe o que dizer - e é verdade. e aí as coisas continuam pegando fogo. eu queria incendiar a minha cama. ser tomada de uma vez só por uma felicidade inútil, que se esvai em sete segundos. tá tudo pegando fogo. minha paciência virou cinza. meu tesão é carvão. não há água que apague. minha sede não pode ser cessada. a água no mundo vai acabar e a gente não vai apagar o fogo. a angustia crava dentro do pulmão que nem um boi sendo marcado. dá para ouvir o tsssss na hora que eu faço yoga e a respiração tem um passo. tá tudo pegando fogo. eu não tô brincando. em 2003 era no verão em portugal. não dava para ir na praia porque você mal via o mar. eu ia mais à praia lá do que eu vou aqui. tenho medo do mar. de tentar nadar, não respeitar as ondas e respirar água - e a queimação que dá no nariz parece que tá pegando fogo por dentro. agora é aqui. mas a vida não se consterna. ela continua. "ah, mas tem que continuar". a cabeça explode, todos os planos das coisas que eu ainda não vivi queimam um a um enquanto o ponteiro do relógio passa segundo a segundo. tá tudo pegando fogo. eu queria pegar fogo por dentro e zerar a minha existência. quando a gente morre, se não for pelas fotos e lembranças, é como se a gente sequer tivesse existido, né? tá tudo pegando fogo. a voz do meu pai me parece uma memória muito distante - acho que li em algum lugar que não é possível inventar vozes. a risada do meu irmão eu já perdi. e meu deus, que falta que faz. morrer queimado deve ser muito dolorido. não ter para onde fugir, os gritos. nos filmes medievais isso sempre me choca. algumas profecias contam que o mundo acaba em fogo. para alguns povos, acabou. como será morrer engolido por lava, o que as testemunhas oculares do vesúvio viram? tá tudo pegando fogo. um fogo apaga, o outro acende. a gente mata um leão por dia, apaga incêndio de crises que não farão diferença em 10 anos. mas essa respiração travada, pausada, não-natural... ela vai corroer os neoronios. tá tudo pegando fogo. mais uma volta em torno do sol. o sol pega fogo, dizem que um dia ele vai ficar muito grande, engolir todo mundo e se apagar. como eu quando fico explosiva - pareço que sou gigante, lato, mordo, pego fogo... mas depois sumo, me esvazio... quase que desapareço, com uma floresta devastada. tento renascer, mas as condições são inóspitas. eu não tenho solução pro mundo. eu não consigo apagar meus incêndios. não consigo apagar os incêndios do mundo. vai continuar tudo pegando fogo...? eu só sou uma só. eu não posso abraçar o mundo em chamas. eu não poderia, não conseguiria. i got loyalty inside my dna. eu me sinto culpada por não salvar o mundo, por não abraçar os meus desejos, por ter deixado meu tesão ir embora. meu tesão das coisas. eu tô no automático, indo a 300km/h contra um rochedo. vou dar de cara lá, vou explodir, vou pegar fogo. mas não vai ser suficiente. nada vai mudar. o mundo não muda, a vida continua, outro dia perguntei se isso era pro bem ou pro mal, e me responderam que só há esse jeito, o outro seria mais doloroso. incêndios... são tantos. eu sou egoísta por comparar uma floresta inteira ao meu peito? tá tudo pegando fogo. tá tudo pegando fogo. tá tudo pegando fogo. eu não ligo mais para estética. a vida travou meus processos criativos. eu perdi meu tesão. tá tudo pegando fogo. eu preciso de alguém que atravesse o fogo e me tire dali. cuide das minhas queimaduras. elas vão deixar cicatrizes para sempre. alguém que me coloque no colo e cuide, mesmo que tudo esteja pegando fogo. alguém que dê a sensação de que as chamas abrandaram. e que há esperança de florescer novamente. e ser forte, e ser bonito, e criar e procriar. eu não tenho coragem de plantar em um mundo que tá pegando fogo.

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