domingo, 15 de dezembro de 2013

João.

João era só mais um garoto. Pelo menos à princípio. Seus cabelos eram loiro-escuros, seus olhos mel esverdeados. Bom, eu sei que João era bem mais que seus olhos e seu cabelo. Ele sabia disso. Aliás, João sabia que era mais do que todo mundo achava que ele era. Mesmo não fazendo ideia do que ia ser. Só sabia que seria grande. João não acreditava em Deus e fazia graça dos horóscopos de jornal. Andava sempre de relógio, mas o evitava nas horas de atraso. 

Por muito tempo, João foi só mais um cara qualquer. Não sabia porque vivia mas sabia que um dia viveria por música. Seus olhos eram só poesia quando ele estava afundado na imensidão do som do amplificador exageradamente alto e estourado do quarto dele. João era tão apaixonado por aquilo que, mesmo com uma mulher nua a sua frente, ele só ligaria para a guitarra em suas mãos. Ele era bem mais que Legião numa roda de violão. Quando o conheci, João era só mais um que fazia canções sobre garotas; que adorava noitadas com cerveja demais e que sonhava com a vida de rock star que jamais chegaria. 

João era só mais um que tinha um sonho de não ser só mais um alguém no meio de tanto ninguéns. João não queria ser um advogado renomado, nem um executivo com milhões na conta bancária. Ele queria o holofote, queria o microfone. Ele queria uma banda mas seus amigos não ligavam. 

João queria uma garota. Uma garota que servisse para suas músicas, que lhe beijasse enquanto ele não estivesse tocando violão. O problema era que garotas eram complicadas, garotas davam trabalho. E ele queria alguém que o virasse ao contrário. 

Aos 15, João fazia toda a força do mundo para não ser um filho exemplar, só pelo gosto de não o ser. Mais tarde, se esforçava para fugir dos óbvios dos esteriótipos que a sociedade pressionava sobre ele. João se revoltava contra o nada, polemizava o desnecessário só por um pouco de atenção. João queria os louros de um discurso filosófico pseudo-revoltado.

No fundo, eu sabia que João era muito mais do que suas críticas ácidas. Ele via nos outros o que ele tanto errava. João ia ser grande, mas só uma garota parecia enxergar isso. João era muito mais que seu desejo de ir longe, mas sua perspicácia ainda preguiçosa o empurrava para trás. 

Sabia que tinha muito mais por detrás daquele garoto de 18 que conheci semanas antes de um verão abafado. Talvez eu não fosse a única que tivesse o percebido, mas ele me apanhou primeiro. Apesar de todo o ceticismo, João era um dos garotos mais sensíveis que o mundo já viu. Não do tipo sentimentalista exacerbado, que chora por garotas que viu nos ônibus. Mas do tipo que percebe. E no mundo mecânico do século XXI, são raros garotos como João, mesmo que sejam tão cheios de características generalizadas. 

Talvez eu soubesse que nada podia fazer por João. Mas egoísta como só uma paixão adolescente pode ser, eu fiquei por perto. Ser a garota que ele tinha para beijar quando não estava tocando violão não era uma posição detestável. Às vezes eu só tocava o rosto dele de forma descuidada e desajeitada para saber que ele era de verdade. Muitas vezes era difícil de acreditar. João parecia que ia sumir a qualquer momento - para os braços de outra mulher, para outro continente talvez. 

Eu também sabia que não podia ser a musa que ele precisava para suas composições, mesmo que eventualmente ele tivesse se tornado o muso, o João que eu descrevo. Mas amores, como eu disse, são tão egóistas que às vezes eu me esquecia como toda a nossa história era incomum e ao mesmo tempo clichê desde o início. Como alguém que buscava mais um verso para o próximo poema, eu gostava do que não tinha de óbvio em João. Como alguém que queria amá-lo, a sua inconstantibilidade me era ameaçadora. 

Poderia dizer que João trilharia seu caminho sem maiores desvios de percuso. Mas para afirmar isso, João teria que ter um plano inicial. João, definitivamente, não era o tipo do cara com um plano. Ele era esquecido e se usava dos desvios e atalhos para guiar sua vida. 

Enquanto vivi com João, eu só pedia um apartamento pequeno quando terminássemos a faculdade. Mais tarde, viajaríamos o mundo, ele gravaria um CD, eu escreveria um livro. Meu amor por ele era tão grande e eu o mostraria em doses pequenas pelo resto da vida. Mas conhecendo João, sei que isso seria pacato demais pra ele. Não poderia planejar sua vida.

João, na verdade, merecia provar que era tudo aquilo que as pessoas não imaginavam que ele era. Tocar no Maracanã aos 25? Não. Tocar no Wembley aos 25! João merecia todo tempo do mundo com os todos os amigos maravilhosos, com a família tão enorme e gostosa que ele tinha. No fundo, eu talvez soubesse que não havia lugar para mim. 

João era um cara apaixonado pela vida. Isso dava para ver no momento que qualquer um o conhecia. Suas músicas favoritas evocavam vida nele. E foi aí que percebi que João era mais que um cara comum - ele era especial. 

Tudo bem, João era um cara terrível também. Batia pé e gritava se achasse necessário. Tenho certeza que ele quebrou vários corações além do meu. Ouvi falar de alguns. Posso não ter merecido uma canção ou, quem sabe, uma dedicatória no seu primeiro CD, mas sei que arranquei alguns suspiros de João. Ele pode ter sido um adolescente metido a revoltado, mas a certeza de que se tornaria um adulto incrível sempre foi óbvia, quase redundante. 

João. O cara dos sonhos grandes. Aquele que chegou lá. 

2 comentários:

  1. "´Jão" dando inspiração pra um dos seus melhores textos. Ficou lindo demais. :')

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  2. Cada dia cê tá escrevendo mais, cara... adorei. Joões assim me enchem de esperança e pena ao mesmo tempo...

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