quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

obsidianas.

hoje não é um dia especial. Talvez estejamos a poucos dias do seu aniversário, que, aliás, é uma data que disseram que sempre vamos lembrar. é claro que sempre vamos lembrar, mas que coisa estúpida. não é porque tem uma foto sua do lado do meu computador do trabalho; é porque elogiam seu sorriso, dizem que você se parecia comigo - e hoje eu sei que jamais sorrirei como sorrimos juntos um dia. e todo esse pretérito perfeito, imperfeito, mais que perfeito me deixa enjoada. enjoada porque eu vivo ouvindo de todo mundo que eu era tão guerreira quando você, mas tenho raiva de quem me fala isso. Porque não tem nada de forte no que está acontecendo agora. por te conhecer tanto, sei que você não estaria do meu lado nesta discussão. mas não teria problema, porque a gente conversaria e passaria a noite jogando videogame. e as coisas iam se levando. aliás, minha vida com você foi assim: você me ensinou que a gente tinha que levar. mas, depois que você se foi, parece que fomos todos obrigados a tomar mil decisões pra decidir tudo que empurramos ao longo dos anos, que, em seu tempo, não parecia tão importante assim. agora temos urgência. e essa urgência arrebata meu coração, me salga o rosto. eu sei que você não pode mais me ajudar, eu sei que você não pode mais postergar as coisas por aqui. e como eu queria. porque eu nunca achava que esse dia ia chegar. esse, de notícias tão ruins. e, depois que você se foi, as notícias ruins não pararam de chegar. só que quando você tava aqui, a gente chutava essas lamentações pra escanteio, porque a vida era curta. agora ela me parece longa, meu bem. tão longa, tão sem sentido. hoje não é um dia especial. amanhã provavelmente também não será. e postergaram nosso novo encontro, por qual eu tanto anseio. tudo que pode me ajudar não está. que nem você, só que diferente. e sinto. sinto a ausência. sinto o silêncio. sinto a falta do quarto garfo, do quarto copo, do quarto prato. sinto a falta da mão da maçaneta às duas de manhã, sinto todas as faltas, todas as ausências. e como cansa sentir vazios. sinto falta da objetividade da nossa postergação. sinto falta das linhas retas de um videogame que hoje está empoeirado. sinto o buraco e mais nada.

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Vê se não demora.

Eu sou o Chico. Sou aquele cachorrinho que todo mundo diz que parece uma toalha e tem uma cor de língua engraçada. Tô aqui "procurando" meu dono. Digo, quer dizer, lato, tô tentando, porque tô meio amarrado aqui. Ele é um cara legal, me dava comida gostosa e água fresca! Até me comprou uma cama que é boa de me enrolar todo e me deixava dormir no quarto com ele quando ele ligava aquele negócio que fazia um barulhão, mas que deixava o ar mais fresco. É que a cidade onde eu nasci faz muito calor, sabe? Os outros au-aus adoram correr e ficar no sol, mas eu sou mais quietinho, não gosto muito de água, então fica meio ruim para mim, para me refrescar com mangueira que nem outros amiguinhos. Meu dono, que eu amo de verdade, eu abanava o rabo pra ele toda vez que ele chegava em casa... não sei ficar muito tempo longe dele. Sou meio assim. Acho que me perdi dele, mas não posso contar a ninguém. Sabia que ele costumava me dar biscoitinhos e brinquedinhos legais? Eu me balançava todo, mostrava a barriguinha para ele me fazer carinho.

De uns tempos pra cá ele começou a sumir, sabe? Eu fico perto da porta, esperando ele chegar o dia todinho. Juro. Tá, saio só pra beber água, mas depois volto pra lá. Toda vez que ouço a porta daquele treco esquisito fechando, eu enfio meu focinho debaixo da porta para ver se é ele. Cada vez ele demora mais. E quando ele chega, ele não faz mais carinho na minha cabeça. Acho que ele não está muito bem, queria ajudar. Dar umas lambidas, botar a patinha em cima da coxa dele pra ele sorrir pra mim e me fazer uns carinhos também. Ultimamente ele só tem passado, bota um pouco de comida no meu pote, às vezes até deixa cair do lado de fora e nem pega, sabe? Eu tento ficar perto dele, mas era como se ele não tivesse perto de mim. Eu fico super tristinho, choro a beça mas acho que ele não me entende.

Agora eu tô aqui. Eu tava dormindo na minha caminha, mas acordei aqui. Tô preso nesse ferro, não reconheço esse lugar - não tem cheiro de ninguém que eu conheça aqui. As pessoas passam, fazem carinho em mim, meio tristes - eu juro que queria poder ajudar: podia dar uma lambida nelas, aposto que elas iam ficar felizes... Mas não sei cadê meu dono. Espero que ele venha me buscar logo. Porque isso me lembra muito uma coisa que aconteceu uma vez, quando meu dono tinha uma amiga bonita, que brincava muito comigo e com ele também. Mas aí um dia ela foi embora com um treco que parece muito com esse que tá aqui do meu lado, que tá todo mundo falando que é meu. E meu dono ficou desse jeito aí, depois que ela foi embora.

Espero que ele não tenha feito o mesmo comigo, sabe? Gosto muito do meu dono, tô aqui esperando ele voltar.

Demora, demora, mas ele sempre volta.

(baseado em: http://www.onegreenplanet.org/news/dog-abandoned-at-the-railway-station-with-his-suitcase-of-belongings/)