sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Cabum.

(rimas pobres sobre uns caras pobres)
de pensar
que agora
você estaria de volta
em meus bracinhos fraquinhos
e eu louca por mais uns beijinhos

de pensar
que agora
você está de volta
mas parece que você tem um bochechão
que tá competindo com seu novo barrigão

me desculpe
é que eu não sou das mais românticas
tem um limite para a fofura
e acho que você se confundiu:
sua balança meio que explodiu.

sábado, 1 de novembro de 2014

Negativo fotográfico.

ele me dizia
que já tinha fotografado
tudo que amava neste mundo
mas depois que passou a cegueira
eu vi finalmente que não tinha
uma foto minha
dentro de sua carteira.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Nuvem.

às vezes eu queria ser meio nuvem
só pra quando eu
estiver (de saco) cheio
sair me desfazendo todinho
e de
                sa 
                          pa
re                           
cer

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Saramago.

A gente não pode mais se ver. como assim? assim, simples: não podemos mais nos ver. você ficou louco? quando a gente se vê tudo muda: parece que nada está fora do lugar. e isso não é mais um motivo para a gente se ver? não, não é, porque isso aqui que a gente tá vendo não é real, só parece bom. espera, estou perdida. o que é existe é o mundo cão lá fora, os garotos do bar do lado, o teu vizinho, teu ex namorado. você tá maluco? você já me perguntou isso. 

Miguel levantou-se da cama enrolado no lençol gelo. maria continuou ali sentada, jogada entre os travesseiros estupidamente fofos. 

Maria, isso tudo é um erro: aliás, fomos erro desde o início. miguel, você tá maluco. para de repetir isso, maria. não, miguel, você está louco sim, como podes tu te privares de algo tão desumanamente humano? eu não sei, maria, mas isso aqui não é real, eu e você não somos reais, há coisas que esperam por nós lá fora e se voltarmos juntos jamais seremos miguel e maria: seremos nós, e quando formos nós, não seremos nunca mais eu e você. 

Maria coçou os olhos e encarou o resto da maquiagem na ponta dos dedos. Mesmas pontas que passearam por ele minutos antes… 

Não vou te implorar nada não. maria, vê se me entende. miguel, isso aqui não é uma das tuas músicas, nem um dos teus curtas bocós. é só… eu e você. e isso não te assusta, não, maria? eu não me assustei quando você invadiu minha casa, porque haveria eu de me assustar agora?

Os dois param. Miguel começa a se vestir. Maria balança a cabeça e joga a cabeça nos travesseiros, que abafam graciosamente seu movimento. 

A gente não pode mais se ver, não pode. não tem outro jeito. 

Miguel repetiu isso mais algumas vezes como se só assim pudesse completar os passos de amarrar os cadarços do seu all star de couro. Ele se dirigiu a porta do pequeno quarto que fedia a mofo e tinha tanta poeira que era possível ver exatamente por onde o raio do sol de final de tarde entrava pelas venezianas de madeira. Ela levantou-se e, antes de fechar a porta nas costas dele, despediu-se, como sempre:


Tudo bem, a gente se vê. 

domingo, 12 de outubro de 2014

Maria sem sal.

Aparecem umas letras brancas no fundo preto. Nome do diretor, da atriz cafona e do protagonista galã. Parece um filme do Woody Allen mas não é. Toca uma música sem letra, uma guitarra meio crua, quase como se soasse como cordas soltas simplesmente vibrando, sem muito sentido. Mas é animador, estranhamente encorajante. O mocinho caminha numa rua larga de paralelepípedos, com umas árvores velhas de tronco robusto, uns carros vermelhos, pratas e pretos estacionados ao longo da via. Parecia os fundos de um bairro charmoso da zona sul carioca, tipo Copa ou Botafogo. Se é que isso existe. A cena segue.

É noite. Sereno. Mas o rosto do protagonista é meio confuso, penumbra. Olha pro sobrado onde o flerte furtivo mora. Maria sem sal. Não entendia o que estava fazendo frente àquela porta azul. Bateu uma mão na outra, umas cinco, seis vezes. "Ô de casa!˜, não achou a campainha. A luz do segundo andar estava acesa. Sentiu-se vitorioso. De novo, mais umas palmas. Vestia uma bermuda beje, uma blusa listrada branca e azul marinho. Se ajeitou. A luz da saleta, no andar debaixo, acendeu-se. Viu a sombra do pequeno corpo de Maria no voal da janela. Não era formosa, a Maria. Seus peitos eram medianos e não tinha bunda nenhuma. "Dá pro gasto", ele pensou, com um sorriso no canto da boca. Ouviu a chave entrar na fechadura e o clique do destranque. Excitou-se; animou-se; só faltou esfregar as mãos como um vilão de desenho animado. Maria sem sal abriu a porta e escondeu-se atrás dela. Ele subiu o primeiro degrau. Uma música clássica tocava ao fundo. Chopin? Sei lá. Bota isso no mudo. O seu cabelo castanho que ia quase até os ombros estavam bagunçados, meio molhados, com uma das madeixas recém cortada derramada bem sobre seu rosto. Ele subiu mais um degrau, esgueirando-se. Ela vestia um pijama de tirar o fôlego, até pra ela. Tecido fininho, rosa bebê, com renda no decote e na barra do shortinho.

"Tava me esperando?", ela não respondeu. Botou o cabelo atrás da orelha. Seus olhos mel reluziam graças ao luar. Que brega. Ela sorriu, sem graça, sedutora sem saber, atrás da porta. "Perdeu a língua? Deixa eu achar...". Ele subiu os degraus restantes que nem um gato fugindo do banho. Empurrou a porta para um lado e puxou Maria e seu corpo esguio pela cintura. Puxou-a para si. Em si. Ela com a mão em seu peito quente, atordoada, não sabia se queria aquilo, mas não parecia errado. Empurro-a pra dentro e a jogou no sofá, tão pequena, Maria.

"Acho... que... achei...", disse ele, entre um beijo e outro. A música do início voltou a tocar, no volume máximo. Acabou a história de violino angustiante. E se enroscavam mais um pouco no sofá também azul marinho da sala minúscula. A garota já sem fôlego e ele querendo mais, passeava com as mãos pelo corpo da menina, por dentro do pijaminha, o perfume doce já era quase masculino e ele perguntou-se se ainda não era cedo demais para o cheiro de ambos terem se misturado tanto. Cabeça dele à mil. Maria parecia quase inerte comparada a excitação dele. Maria sem sal.

De repente, um barulho que vinha do alto das escadas. Não era baixo o suficiente para que ele achasse que era nada. Os dois pararam, ela se sentou sobre as próprias pernas no sofá e ele ajoelhado no estofado, quase em pé, perguntou, depois de um pigarro: "O que foi isso?"

"É que tem gente lá em cima"

"Espera, você tá me falando que seus pais tão em casa e a gente dando amasso no sofá?"

"Não. Meus pais não moram comigo"

Manuel gelou. "Alguma amiga sua, então...?"

"Não. É que eu estava acompanhada mesmo"

As palavras de Maria não eram complicadas de se entender. Ainda assim. Custou alguns segundos a Manuel, para que ele entendesse. Olhou para as próprias mãos e encarou a boca ainda vermelha de tanto atrito. Ela estava com um dos dedos sobre os lábios, o que lhe dava um ar sedutor de falsa inocencia. Ah, Maria sem sal.

"Acompanhada? Entendi."

A música parou bruscamente. Manuel começou a juntar as peças. Ninguém estaria acordado àquela hora, com a luz do segundo andar acesa, com aquela roupa e teria aberto a porta tão rápido e estaria com tão pouca cara de sono. Maria sem sal?

"Tudo bem", ela disse.

"Tudo bem?", ele pensou. "Mas que..." Ninguém ali estava apaixonado. Talvez o cara de lá cima. Não Deus. O cara na cama dela mesmo. Caraca, Maria.

"Bom, eu acho que eu vou indo, então", disse, meio desconsertado, ajeitando a roupa, coçando a nuca quase que freneticamente, bagunçando os cabelos castanhos ao invés de arrumá-los. Maria sem sal!?

"Tudo bem", ela repetiu, "eu te levo até a porta"

"Não, eu... tá. Ok. Vou lá então, Maria", disse, sem saber se dava dois beijinhos, um abraço ou outro amasso. Olhou de novo para ela e percebeu que o tecido era meio transparente. Maria sem sal uma ova.

"A gente se fala, então", disse ela enquanto Manuel descia os degraus meio de lado, olhando para ela, com a boca encostada na mão que mantinha a porta meio aberta.

"É, a gente se vê, sei lá", disse Manuel, se arrependendo instantaneamente. "Que tiro no pé", pensou.

Voltou a tocar a música barulhenta. Alta, conforme ele conta nos paralelepípedos quantos apertos deu em Maria. Sem sal? Sem sal e sem graça estava ele agora. Metido a cineasta, o longa tinha virado um curta: só uma garota, só um azul marinho, só um sofá, só uma música. Bem barulhenta.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Coragem II.

a cama da noite passada ficou desarrumada o dia inteiro. vou cortar meu cabelo. as estrelas não cairam. a noite parecia perfeita. as músicas certas tocaram. a sujeira foi para debaixo do tapete. devia crescer, devia ficar. o que não foi dito não tem importância. a cama ficou desarrumada o dia inteiro. minha lembrança preferida tua é de quando você me beijou no canto dos lábios pela primeira vez. a lua brilhou no fim da noite. o cansaço. o sorriso torto, recompensante. coragem. dobrei meus lençóis por você. impulso. coragem. a cama da noite passada ficou desarrumada o dia inteiro. escrevi cinco linhas, seis. são duas, três e quarenta da manhã. o telefone não tocou. a carta não chegou. o fim também não. tô com saudade de você, garota, ele disse. a cama da noite passada ficou desarrumada. o dia inteiro.

(de 13/03/13)

domingo, 28 de setembro de 2014

Carapemã.

Alguém uma vez falou que todo mundo da cidade grande precisa de um refúgio. Todo homem trabalhador precisa virar bicho do mato de vez em quando, botar o pé na areia molhada com o luxo de não ter carros barulhentos, prédios chiques e uma pilha de guarda-sóis - nada contra, Copabacana. Carapemã era isso e um pouco mais. O céu era tão estrelado que ela difícil contar estrelas. Ao se deitar na rede ou na cama, não dava para não ouvir o barulho das ondas do mar aberto, furioso - tão diferente da sensação que ele nos causava - arrebentando no paredão de areia alto. Dava para ouvir os milhares de gafanhotos, grilos, até vagalumes ao pé da janela, aproveitando a noite quieta.

Os dias no refúgio passam devagar. Diz que depois de muito tempo, você até pensa na cidade grande com um quê de saudosismo, como se tudo tivesse parado por lá também. É bem verdade que o homem do século XXI se angustia com a capacidade do mundo não parar. Estamos fadados ao ciclo quase eterno das voltas da terra em seu próprio eixo e nós aprisionados na contagem das vinte quatro horas que, em teoria, marcam nosso dia, mas na verdade não significam absolutamente nada. Ainda acho que um dia poderia contar duas noites e ninguém ia morrer por isso.

A questão toda era que por lá, onde a areia era relativamente mais grossa pela falta de atrito, o tempo parecia, de fato, mais subjetivo. Com um quê de viola e rede, cerveja e conversas a beira de uma varanda, juntinho ao mar. Era isso. Era só isso. E as pessoas poderiam viver ali para sempre. Poderiam amar ali pra sempre.

Um garoto se balança na rede. Uma menina de cabelos mel em pé, próxima, encostada num dos pilares que segura a rede, com um livro meio aberto entre os dedos. Machado, não sei. Não dá pra ver o título. Ela, tímida. Ele, hesitante. O certo é pra sempre. Venta num final de tarde de meio de verão. É carnaval, é corpus christi. Já nem sei. Lá, não faz diferença ser feriado. O comércio abre quando quer. Lá, eu juro que só o amor e a música acelera o coração. E talvez o pique pega na beira da praia.

O garoto levanta a mão e faz um sinal. Vem pra cá. Ela assente, curiosa. Se deita na rede. Aprumados, ele puxa o violão. Toca algo que poderia ser um cantor havaiano, skank, quem sabe até oasis. Não dá pra saber. Não precisa saber. Não precisa ter letra. O barulho do mar acompanha o dedilhar das cordas. Ela olha pra cima, deitada no peito dele, dividindo o colo com o violão de um estranho. Ele olha pra baixo, pra ela. Se olhar pro mar dá uma sensação paradoxal de calmaria e tempestuosidade, olhar pros olhos dela é certeza. O coração fica pequeno e grande ao mesmo tempo.

As estrelas durante o dia caem na lagoa, que tintilam na superfície. Estalam no peito, convidando os pequenos problemas do dia a dia a ser evaporarem. A cor da água é esquisita frente ao mar azulzão. A natureza é tão perfeita que parece que o homem tem medo e destruiu ela toda, por isso que refúgios como esse são para aqueles que viram que quem é assustador, na verdade, é o próprio homem. Porque o homem é capaz de destruir tudo a sua volta, até mesmo o que lhe faz bem. Só porque falta coragem.

Mas não por lá. Lá é simples. Lá tudo funciona. E é por isso que é difícil saber que não dá mais para voltar pra lá. Tem gente que vai ter essa sorte mais que uma vez, outras vezes. Como aqueles dois. Ela e ele sempre terão o refúgio, o recanto. A rede, o livro, o violão, o mar batendo na areia. Deles e só deles. Lá e só lá. Lá, sol, lá.

sábado, 27 de setembro de 2014

É de Júpiter.

sábio foi alguém que uma vez disse
que a liberdade também aprisiona
porque o ser humano
está preso em sua própria inércia
e por mais que se ache livre,
toda vez que estiver frente
a mais de uma opção
se corroerá na (in)decisão

eu posso enumerar
todas as coisas
que pensei que podia ser:
achava, aos quatro,
que tocaria violão aos quinze.
com cinco, analfabeta
pensei que um dia leria
todos os livros da biblioteca da minha escola
e seis anos depois, achava que aos vinte,
que nem rimbaud,
já teria escrito duas das minhas obras primas.

é bem verdade
que nada me impediu
mas é que o século XXI me convenceu
que falta tempo.

(uma vez, te disseram:
a mim, só falta você
um disco, uma tevê)

eu queria é ser de júpiter
não conhecer as palavras, os discos
nem você.
queria ser de júpiter
aquele furacão famoso que dá pra ver da superfície
a 10 mil anos-luz
queria ser de júpiter
ser tempestuoso e ainda assim atrair até luas;
queria ser de júpiter
ser conhecida
e não conhecer.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Cachorro sarnento.

queria ser um cachorro sarnento. eu, você, nós. nós quem? eu, tu, a garota de quem você vivia falando quando a gente tava junto e depois quando não tava também. lá vamos nós, nós, tu, eu, a raiva faz suar o ciúmes também e não há tempo pra vírgulas que nem quando a gente tava junto mas agora o que me interrompe é meu coração batendo rápido e não beijos apertados no canto do teu elevador de chão de cor de ardósia. e enquanto conto os dias pra fazer vinte e quatro meses que você trocou a primeira palavra comigo você tá falando de seus outros planos com outra garota que você queria que eu fosse amiga. nojo, nojo, nojo, de mim, de você, de nós, de todo mundo. ninguém merece a vida que tem. nojo, nojo, o que eu te fiz pra você deixar de amar tudo o que fiz pra você? nojo, nojo, a vida é muito curta pra se estar com alguém que não quer estar com a gente. você me revira que nem um mendigo no lixo e seres humanos não deveriam passar por tudo isso. queria ser um cachorro sarnento, porque assim só me preocupava com minhas próprias pulgas e não com esse mundão gigante, sordidamente nojento

mas é tudo mentira
ainda te enfiava debaixo dos meus lençóis
em qualquer quinta-feira chuvosa
e ainda te pediria desculpas
por ter sido tão impaciente.

e lá vou eu, só eu, porque você se foi, junto com a outra, ela, aquela. e eu aqui sozinha chorando duas perdas simultâneas enquanto você já em outra, outras, trêbado e eu aqui me preocupando aonde você vai cair quando o que tem nas garrafas acabar. e rezo aos santos que nem sabia que existiam, a todas as formas de deuses pra ver se me trazem uma luz, um relento, um conforto pra me tirar dessa. mas aí vejo que só deixando de ser um ser, e como eu queria ser um cachorro sarnento, babão, pulguento,

debaixo da ponte
que eu gosto de imaginar
que você vai parar
quando um dia lembrar.
(de mim)

(mas eu e você sabemos que não)

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Um Anel.

A cada dia,
eu ficava mais magra
meus dedos mais finos, fraca.
E de tão pequena que eu ficava,
como o anel que você me dera,
o amor já não cabia em mim.
Me alimentava de amendoim
na madrugada, na espera.
Até poderia escrever outra poesia
mas era só agonia
e já me faltava energia.

Mas o anel eu usava
achando que se eu guardasse ele ali
todos os dias, tão perto de mim faria diferença,
mesmo quando você pegava o seu amor
e jogava para longe de ti.

E é difícil acreditar assim.
Enquanto o anel escorregava e se ia
e eu botava ele de volta
sabendo que uma hora,
assim como você,
o perderia sem saber onde,
como, quando ou porquê.

domingo, 24 de agosto de 2014

In memoriam II.

Aqui jaz outro texto
perdido entre a
louça pra lavar,
o banho pra tomar
e a reluta de escrever sobre você
mais 
uma
vez. 

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Questão de tempo e verbo.

que nem um conto de romance ardente
curto e direto
fomos tudo. 
e depois
digo, 
agora
somos 
apenas
nada. 

que nem fantasma;

queria poder dizer que somos "só"(isso)
mas nem isso. 

sábado, 16 de agosto de 2014

Mau funcionamento.

minha privada quebrou
não consigo fazer com que a bosta
vá embora.

minha cabeça parou de funcionar
não consigo mais mandar
no meu coração.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Passatempo.

acho que fiquei
muito velha
para comer passatempo
acho que fiquei
muito velha
pra só passar tempo.

domingo, 3 de agosto de 2014

Garrafas coloridas.

a luz que sai do som que faz tuntztunz na batida do funk reflete nas garrafas vazias meio tortas em cima da mesa. meio tortas que nem aqueles que beberam delas. líquidos relaxantes, líquidos com gosto de limão. são três e meia da manhã e ninguém se entende mais. a garota desce até o chão, o garoto observa a outra menina pequena quieta do outro lado do salão.  faz frio numa noite de início de agosto. normal pra época. mas ela jura que até seus ossos estão gelados enquanto todo mundo está suado e se divertindo. o vinho não esquentou o suficiente. sentiu saudade de um aquecedor esquecido num quarto quase vazio de cascais. sentiu falta de um par de mãos, não quaisquer, mas aquele, para segurá-la na primeira vez que ia passar uma noite sozinha em casa com os pais em outra cidade. ele estava longe em outro bar da cidade falando de planos que passavam longe dela. um rosto familiar na festa larga mais um copo junto aos que estão perto da luz que rima com o tunztunz de uma música super trash dos anos 90, é o tchan, segura o tchan, é a dança da mãozinha, olha o samba, vem comigo.

o garoto com um sorriso torto, cabelos pretos e queixo comprido se aproximou. os dois sabiam que eram um erro mas foram mesmo assim e aí amanhã talvez não trouxesse tanto arrependimento. empurrou ele quando se entediou. ela já tinha experimentado aquilo vezes demais para tirar qualquer coisa proveitosa. era bom, mas ela estava cansada só de "bom". queria um excelente, A+, dez, como foi uma vez. virou as costas. claro que não era pra sempre. sempre tinha mais quando era com eles. a menina quieta e pequena voltou para casa sozinha com saudade do aquecedor de cascais. o telefone tocou mas o nome no visor do telefone exageradamente caro tinha uma a letra mais do que ela queria que tivesse. "são quase seis, vai dormir" "passo aí te deixo o pão, faz um café". fazia frio. acendeu uma vela no quarto. foi dormir. talvez pra aquecer o quarto, talvez para tacar fogo na casa, talvez para rezar por seus desejos sujos, talvez para sentir um pouco de vida quando se sentia tão

es...va...zi...a...da.

domingo, 27 de julho de 2014

Georgia.

De tempos em tempos você volta. Simplesmente, que nem quando você se foi, numa tarde esquisita de agosto. Deixou um recado no meu celular: "eu não consigo me despedir de você, a gente se fala quando eu chegar lá". A gente se fala, de seis em seis quando você volta pra cidade. Mas nada pessoal. "Você não vem me ver?". Nada impessoal. Tocou uma música nova via skype para mim numa madrugada de fevereiro. "O que você achou?". Parecia que você fazia de propósito, tanto verso bonito para dizer que não era eu. De tempos em tempos você volta. Volta falando que os sonhos do passado tão se tornando verdade mas você não sabe o que fazer agora que o futuro chegou. De tempos em tempos você volta dizendo que quer voltar para casa. A casa que não sou eu mas é perto de onde eu estou. Você me avisa numa noite de julho: "tô num bar, você está por perto?". É o convite daquele que não quer se encontrar. Horas depois, com uma quantidade de álcool exagerada nas veias, o telefone toca, às quatro da manhã. "Não é isso que eu quero pra mim". Não tem nada de romântico nisso. De tempos em tempos você volta. Falando um bando de coisa sem sentido. Somos menos estranhos hoje do que éramos antes. São milhas e mais milhas que separam Georgia do Rio. Te achei perto do posto 9 e te cantarolei ao pé da orelha, baixinho "I'll go down as your lover, your friend". Você sorriu e eu fui dar um mergulho nas minhas certezas. Porque elas, pelo menos, são minhas. De tempos em tempos você volta, mas não pra valer. E de tempos em tempos, meu garoto, eu me pergunto o que acontece quando você voltar, o que você vai me dizer. E, como toda vez que acontece quando eu me despeço de você, me lembro que nada disso faz diferença. Somos só mais dois, uns... mais um, cada um. "Não tem essa tem estar perdido sem você". Eu sei que você sabe o caminho.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

3:51.

é que o relógio marca três e cinquenta e um
e eu queria escrever
mas agora já não sei é tarde
ou cedo demais.

sábado, 19 de julho de 2014

Sensatez.

É aquela velha história, uma revistinha infantil diria bem: "mentira tem pernas curtas". Por sinal, sempre bem curtinhas. E quem as tem se esconde até a hora que não dá mais. Aliás, é fácil se achar bem esperto, mas acaba dando um passo maior que a perna pequena, até que uma hora, puff, o mundo se desmancha sobre as cabeças. Ninguém tem culpa, pensou ele. Tropeçou. É tanto plano pro futuro que tudo se perde na covardia de nem conseguir pegar um ônibus diferente pro trabalho. "Nem sei o que mentira tem a ver com isso." Mentira. Sabe sim. Tolos são aqueles que acham que mentindo fica mais fácil, vai negligenciar, sei lá, omitir problemas futuros e aí tudo vai ficar bem, porque depois a mentira não vai importar mais. Mentira: mentira sempre importa. Talvez até mais que a verdade, em certos casos. Não existe nenhuma situação no mundo na qual seja melhor mentir. Anda pra lá e pra cá, mas acho que se o mundo é justo, existe uma lei que diga que se você mentir sobre um crime, sua pena aumenta. "Que se exploda o controle de danos!" Às vezes é uma questão de assumir: chega de inventar dualismos irreais só pra criar um dilema e dizer que precisa de mais tempo para tomar uma decisão. Isso é bem triste, pensou ele, enquanto andava pela praia de copacabana: todo mundo diz que não precisa de "mais um problema", mas na verdade as pessoas não sabem viver sem eles. É aquela velha história do mal do século, da busca eterna da felicidade. "Quem era que dizia? Era Freud? Não me lembro." Mas tinha alguém que dizia que o ser humano é quase incapaz de ser feliz. "E às vezes eu quase acredito nisso". Digo, temos estados de felicidade, mas a tão famosa felicidade plena seria quase catastrófica para o mundo: qual seria o motor da história se todo mundo tivesse finalmente alcançado seus objetivos? Sorte que o ser humano é ganancioso, quer sempre mais do que precisa e aí vira um ciclo interminável. De mentira também: porque de tanto acreditar que não dá pra ser feliz, tem que se convencer que pode ser feliz sim e tem que buscar isso dia após dia, porque na real aquela felicidade pode ser uma cilada do destino, digo, não ser felicidade verdadeira. "É mentira". Então vai lá e larga isso que você tá fazendo e busca uma coisa melhor, reclamou ele. E assim a gente perde algo que era essencialmente bom. Mas "bom" não é suficiente pra quem quer ser feliz de verdade! A busca contamina tudo que a gente faz, vai do amor à comida. E aí nunca acaba. E se em algum momento você tem a sorte de imaginar que talvez tenha dado certo, você vai se sentir triste porque "um raio não atinge duas vezes o mesmo lugar". E aí sai em busca daquilo de novo, de novo e de novo e se frustra e chora e se contenta com o que der. Até descobrir que se contentar é errado e que uma hora a felicidade aparece ali, olha ali ela. E aí ele usa energias que não tem pra ir atrás dela. Só que aí vem o sublime. Foi tanta felicidade que ele até… morreu. Êxtase. "Me senti tão vivo". Só que ele morreu sem saber. Que o raio atinge o mesmo lugar. Duas, três, várias vezes. E nada é melhor do que levar um choque de sensatez na cabeça.

quinta-feira, 17 de julho de 2014

FIFA.

Vai ver que nosso amor só não era Padrão FIFA.
Não tem porque ter vergonha
se nem os craques conseguiram.

domingo, 13 de julho de 2014

Chama ela pra sair.

Chama a garota do verão retrasado pra sair,
não eu, a outra, aquela que você queria conseguir. 
A da festa num lugar obscuro
nem um pouco seguro. 
Mas vê se dessa vez 
você toma uma posição
pra que nem tenha um talvez
e você seja capaz de conquistar
em vez de chegar lá e amarelar

Pergunta pra ela do disco do Soundgarden, 
do bar novo do baixo botafogo,
pra ver se você se esquece de mim. 
Você merece, cê tá tentando tão bem 
e isso porque você diz que não queria ser cruel. 
Ela provavelmente nutre sua fantasia 
e agora que você vai voltar para a academia
teu amor antigo que você diz que sentia
vai sumir que nem ventania.

O nome dela é Madalena, pequena, 
não se preocupe: não vou fazer cena. 
Vou sumir, serena. 
Mesmo sem querer,
mesmo sem reaver
esse amor todo que eu sinto por você, 
sem porquê, nem fuzuê. 

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Sentimentos parede.

oi e aí como vai você? eu vou bem, obrigada. vi um filme outro dia que me lembrou você talvez você fosse gostar mas agora me esqueci o nome. legal essa banda que você me falou há dois meses mas eu só tive tempo de ouvir agora. engraçado que eu falava que precisava de tempo pra mim mas agora tenho tempo demais e nada me entretem por muito tempo, tudo é muito chato e a comida tem toda o mesmo gosto. o tempo passa, mas sinto sua falta. desculpa, esqueci que é crime dizer que sinto alguma coisa, seja amor, seja saudade. fiz de novo, ó. é força do hábito, vou engolir da próxima vez. deixa pra lá. se liga, vamos ver o jogo do flamengo num bar com a galera toda quando o campeonato brasileiro voltar. vai ser uma algazarra, uma tristeza só mas aí depois a gente pode falar besteira na mesa do bar, brincar com garçom e não rachar mais a conta igualmente como antes. não tô aqui pra reviver o passado nenhum, deus me livre, não me entenda mal, é que se for agora eu também não te quero mais, mas é o futuro assim mesmo, ele assusta. não sei de muita coisa, e da parte que eu sei eu não gosto. eu tirei o quinto prato da pilha e o copo amarelo foi pro fundo do armário. guardei aquele anel no potinho na minha cômoda. você precisa vir buscar suas coisas antes que eu roube aquela blusa preta que eu gosto tanto. eu nunca usaria ela mas tem quase um charme poético em ter coisas do ex em algum cabide. sabia que agora as bananas não vão mais pro lixo? convenci a comprarem cachos menores. tava aqui pensando como aquele casal gay de modern family se casou; se o garotinho não vai pirar com os zumbis, depois me conta como foi. difícil tá sendo os domingos sem game of thrones, sem sorvete depois do almoço. eu tô aqui falando sozinha porque você já se foi faz tempo mas eu ainda cá estou e pode ser que um dia você volte e por algum acaso a gente esteja na mesma página e aí vai ser só… bem, não sei o que vai ser porque eu não sei do dia de amanhã, você também não, mas me avisa quando você voltar, porque aí a gente dá uma volta e a vida é uma roda e só ela dirá... 

... é que pra mim não tem papo de nunca mais.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Finitum.

nada que eu disser
fará você entender;
nada que eu escrever
vai fazer parar de doer.
só / se / você / permanecer.

eu disse que te amo há um ano atrás
e 365 dias depois eu não sou capaz
de trazer você de volta pra mim
e na real, assim,
eu não quero abraço
só um amor de aço.
e isso, só como nós
então não vem com essa de ficar a sós.

mas, se até a copa ficou inacabada,
e nós também, não é como se não desse pra fazer nada.
e se você ficar, a taça na sua mão
nem venha dizer não!
o brasil ainda pode fazer gol
vem comemorar debaixo do seu lençol
minha boca ali está, suave
e se você acertar na trave
vai ser que nem na primeira vez
vamos para paraty, talvez.

se tem que ter um fim
que seja para as coisas vis;
acredita em mim
eu te levo embora
só vamos ser fullgas
e não fugazes.

há tanto requeijão na geladeira
e doce de leite na compoteira.

terça-feira, 17 de junho de 2014

Perpetuo.

tenho vontade de escrever à caneta
não me venha com essa caretada
pois eu não me arrependo
de nada.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Romeu.


Uma vez eu sai com um garoto e eu não deixei que ele pagasse meu café. Era a nossa terceira "saída": a primeira vez, quando nos conhecemos; a segunda quando nos beijamos e a terceira ali, acompanhados de uma penca de gente que caçoaria da gente se nos vissem de mãos dadas. 

Já era tarde e depois de sair do restaurante de quase todas sextas-feiras, me bateu vontade de tomar um café. Entrei na única cafeteria aberta que tinha por perto e, é claro, Romeu me seguiu. Adiantou-se à minha frente, abriu a carteira mas se sentiu impotente frente à tanta opção de café. "Nossa, pra mim um espresso já basta". Não a essa hora, meu amigo. Chega pra lá que eu resolvo isso.

Me virei. Romeu tinha os olhos confusos e olhava para mim curioso. Era um bom moço. Cavalheiro, do tipo que você leva para casa da sua avó no almoço do dia seguinte pós-Natal. Romeu fazia juz ao seu nome, seja lá o que isso queria dizer. Ele falava em "roubar beijos delicadamente", mas de certo, faltava-lhe coragem. 

Meu café eventualmente veio errado e semanas mais tarde eu descobri, encostada no carro de Romeu, que a doçura da bebida não era tão gostosa quanto os lábios dele. Macios, divertidos. Era bem fácil gostar de Romeu. Difícil era lidar com a falta de adrenalina em um mundo tão agitado quanto o nosso. 

Romeu realmente remetia, não só pelo nome, a uma outra época. Quando as tardes se arrastavam e as noites eram estreladas. E sua natureza desacelerada era desconcertante e praticamente incômoda. Não era possível alguém ser tão letárgico em pleno século vinte e um. 

Ou, talvez, eu que fosse afobada demais; e não era a Julieta de Romeu. Talvez o que tivemos estivesse mais para um amor de verão; alguém para observar o fim de tarde e o céu alaranjado, dar uns beijinhos, deixar na porta de casa e tudo bem, foi legal nosso casinho de final de semana.  

Só sei que, por ora, o café esfriou. E não houve quem o requentasse. 

domingo, 8 de junho de 2014

Domingos abafados.

você tem mania de música triste
e eu também;
isso não é ruim...

mas confesso
às vezes era estranho 
e quase doía
a gente todo feliz por aí 
depois de série de zumbi e sorvete
numa tarde abafada de domingo
e sussurros de 
como estávamos felizes
você vinha com canções
de compositores de outras terras
dizendo
como vida era um pesadelo 
e de como seria
se você morresse. 

eu não saberia. 
não há eu 
sem nós. 

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Meio a meio.

Eu sempre perco
um dos pares
das minhas meias.
Mas eu e você
somos um par;
único:
não deixa perder
minha metade também.

domingo, 23 de março de 2014

Esperança, não morre.

Matei uma esperança
no espelho do meu banheiro.
Ela era tão verdinha
e tão jovem;
e eu, como ela,
mas tão pálida.

sábado, 8 de março de 2014

Caixa de mensagens.


A batida do meu coração pode não ser ajustada com os tu tu tu da chamada ao celular, mas cada toque até a caixa postal é uma facada, uma atrás da outra, pequena, sorrateira, que não parece letal mas que vai matar por hemorragia. Qualquer dia eu conto quantos são. As palavras que eu queria falar vão amargando na base da língua; as dúvidas vão esbarrando na felicidade enquanto a espera de meio minuto arrasa com a expectativa de ouvir tua voz. Uma, duas, quatro, sete. Vem a culpa, depois uma vergonha. A vergonha se transforma em raiva, raiva de parecer tão estúpida. A batida do meu coração acelera, mas os tututu da chamada não. Agora parece que tem menos tututu, mas o tempo de espera ainda é longo. São sete tututus. 

Eu ligo sabendo que vai ser à toa, finjo que sei mas no fundo quero me surpreender. Agora já nem lembro o que queria falar, já pensei em tudo que está errado, já recalculei minhas jogadas, já repensei minhas chances. Teu telefone toca no bolso, em cima da cama, no chão do quarto de outra mais uma vez. Ecoa no modo silêncio da gritaria do lugar. Aqui eu, esperando. Vai ver você só tá dormindo. 'Tava no banheiro, sei lá. Tu tu tu. Facada. Ameaça, pra mim, para nós. Poderia me enfiar nas cobertas, dormir até você retornar, mas e se o telefone não tocar? Espero o celular dar um sinal de vida que nem esse que espero seu. Tu tu. 

Sua chamada está sendo encaminhada para a caixa de mensagens. Deixe a… Desligo. Mané mensagem, se nem apertar o botão verde ele consegue? Encaro a minha cara na tela do aparato tecnológico. Ridícula, pasmem, o cúmulo da dependência. Eu só queria dar um oi e dizer que não vou para sua casa amanhã. Mas dando tanta saudade agora que eu juro que ia. Não é que eu não queira, mas é que não sou trouxa. As dez ligações na sua tela diriam o contrário. Atende, é só apertar o botão. A batida do meu coração adoraria ser interrompida levemente pela surpresa da ausência do próximo tu

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Covardia.

Enfiei suas coisas numa mochila porque achei que você não voltava mais. Chorei porque não acreditava. Não acreditava em mim, nem muito menos em você. Não tinha motivos pra desacreditar, mas a vida e os clichês me enchiam de medo. Foi covardia sim, mas palavras não bastariam. Eu te escrevi mil poesias como se não houvesse mais nós, por acaso. Não posso chegar na sua casa com chocolate ou um buquê de margaridas, não há nada que eu possa fazer para dizer que eu preferia ter mordido a língua e ter sangrado a rispidez do que ter dito aquelas palavras. Eu só queria que tudo ficasse bem, mas nem sempre a gente sabe o que é o bem. As vozes me diziam que isso não parecia bom, mas tudo parecia compensar depois de te ver sorrindo pós um beijo de boas vindas. É díficil, é inconstante, não dá pra adivinhar. Somos humanos, eu, você, eles, as garotas da sala ao lado, os rapazes do ano passado. Não há nada que me impeça de correr pros teus braços às 2 da manhã com a exceção de alguns quilômetros que se multiplicam quando o orgulho grita. Minha cena favorita é quando eu te boto encostado no peito e você cantarolando beatles pra lá e pra cá. Mentira, minha cena favorita é você vidrado em música, mas eu tenho um pouco de inveja dela. E só dela. Refiz a cena imaginária na minha cabeça, eu entrando no seu quarto, abrindo "minha gaveta", jogando tudo num saco e não conseguindo dizer adeus pros seus pais. Dizem que a vida é simples, mas ninguém para de reclamar das complicações. Às vezes dizem que mesmo quando duas pessoas se amam isso não é suficiente. Não dá pra saber. O amanhã futuro é incerto assim como nós. Mas por ora só me basta esta noite: se eu tentar ir embora, eu te imploro, vê se me segura, vê se não demora. 

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

O Velho do Joá.

Era a saída do túnel do Joá, chegando na Barra. "Sorria, você está na Barra da Tijuca". Dificilmente, ainda mais com esse trânsito, seu prefeito. Lá fora do ônibus tinha um vento agressivo, prometendo um dia cinza. Minha cabeça virou-se para a esquerda para ver o mar. Antes, todas aquelas rochas na encosta, com aquelas casas lá em cima, de tão difícil acesso. Meus olhos foram passeando por entre as árvores, ruaszinhas e casas e encontraram, numa das pedras, com formato de banco, já quase no asfalto da pista de baixo, um senhor negro, já bem velho, sentado com um boné de aba vermelha e um coberto cinza e peludo sobre ele. Seu olhar estava num ponto fixo da Lagoa-Barra, mas parecia, no fundo, estar esperando algo ou até mesmo alguém, mesmo que seus olhos não se movessem.

Não conseguia imaginar quem ele poderia estar esperando. Quem poderia ter o deixado, em primeiro lugar, e ter deixado o velho naquela situação? Não estava acompanhado. Sim, era um mendigo, daqueles que parecem viver há anos nas ruas e sim, tinha aquela aparência de quem pegava qualquer trocado por um tico de pinga. Não tem que ter vergonha de assumir que há milhares na cidade. Tem que ter vergonha é que ninguém faz nada sobre isso. 

Tentando imaginar o quão cruel era o sujeito que tinha enfiado aquele "Sorria" frente a um engarrafamento tão longo, eu só queria chegar em casa, almoçar, ver minha mãe, meu irmão. Eu estava, vamos dizer assim, sem desrespeito ao moço do outro lado da estrada, com muita fome. Tinha pesquisas a fazer, prazos a cumprir, matérias para escrever. Eu tinha até uma lista na minha agenda. Minha vida parecia ocupada. Então eu olhei de novo para aquele sujeito sentado à beira de uma auto-estrada. 

Ele via carros, ônibus e pessoas indo e vindo, chegando e voltando de algum lugar, tão ocupadas e compromissadas, como eu, que planejava uma entrevista de emprego. Como a senhorinha do meu lado no ônibus, que voltava de Copacabana depois de visitar sua netinha e agora tinha a casa toda para arrumar quando chegasse. E então tinha aquele homem, parado do outro lado, parado no tempo para nós. Me perguntei o que ele esperava. 

Então, me dei conta: alguns correm pela vida, outros só esperam por ela.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

À lá vonté

Na primeira vez
que você segurou minha mão
você cantou i wanna hold your hand
e me disse o quanto os beatles estavam certos;
e depois daquilo, nada foi em vão
fomos despertos. 

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Libertà.

Nem tudo está a mão, assim tão perto. Longe, os lábios de outrem me trazem conforto: não tem conserto. Tudo é incerto, tem que ficar esperto, depois não adianta dizer que ficou boquiaberto, perplexo, reflexo. Sem você a vida é um deserto, mas alguém já lhe falou isso, de certo. Aliás, minha vida virou acerto, amor e retrocesso; coberta de pontes e sonhos abertos. Desperto: um amanhã será descoberto, cheio de aperto, liberto.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

versão curta: p.s. volta logo

No cartão postal que eu escrevi tinha um bando de palavra embaraçada e tinta borrada. Cartão postal é um negócio meio demodê. "Sinto sua falta, quando você volta, cadê você?" é o cúmulo do cúmulo do clichê.  Não, meu cartão não tinha tantas rimas. Talvez, se tivesse, teria ecoado mais no coração que está do lado de lá do atlântico, no lado de cima do Equador, que mal se tocou. 

Meu cartão postal era muito mais do que qualquer telefonema, qualquer mensagem de celular. Ele demonstrava que eu estava muito além do momento. O "eu te amo" valia por mais de duas semanas. A parte mais difícil de se estar longe não é não saber onde está, com quem está - mas é não saber o que será. 

Quando eu escrevi aquele cartão postal, eu tinha visto um cd na mesma livraria-café que me lembrava o destinatário. Era um álbum velho, cantor dos anos 90, todo empoeirado. She was heartache from the moment that you met her. Meu amor cresceu ouvindo os acordes daquele cd… it goes like this, the fourth, the fifth… e teve seus altos e baixos, the minor fall and the major lift, e nada foi o mesmo de novo. 

Meus amores se foram que nem vendaval. Apareceram e sumiram que nem a última canção da moda. A maioria dos meus cartões postais se perderam no meio do caminho, que nem aquela ligação que tardou tanto, tanto, que chegou tarde demais. Não recebi nenhum cartão de volta, tal e qual a ligação que eu tanto esperei. Noites são longas, mas a vida não. 

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Plano paralelo de amores (des)iludidos.

Eu imaginava a gente assim, como um daqueles casais que não sabiam ao certo quando tinham se apaixonado, mas achavam a história de como se conheceram divertidíssima. Gosto de pensar que teríamos sido aqueles casais que se encaram, com um sorriso desconsertado pela manhã, seja depois de uma briga ou por causa de uma noite tórrida, como se o mundo lá fora parasse, não importasse, sei lá. Queria que nós fossemos aquele par que as pessoas olhariam e diriam "poxa, se esses aí não derem certo, eu não acredito mais em amor!". Você me perguntaria como foi meu dia e eu entenderia seus problemas do escritório. Até mesmo sua mãe gostaria de mim. De manhãzinha, você me olharia lavando a louça, enquanto eu roço um pé no outro, falando com os pratos e confabulando com as bolhas, você gentilmente esperaria eu terminar pra me dar um beijo de bom dia, boa noite ou qualquer outro motivo sem noção. Seríamos o tipo do casal que não cairia na rotina, no comodismo. Acho que viajaríamos o mundo, que tomaríamos vinho tinto depois de um dia difícil. Não haveria problema grande demais que não pudéssemos resolver. Gosto de acreditar que você seria o homem que me convenceria a ter filhos, que a nossa casa talvez não fosse no melhor bairro da cidade, mas seria o melhor lugar do mundo porque seria a nossa casa. Gosto de pensar que a gente teria aprendido não a ignorar nossos defeitos, mas a conviver belamente com eles. A distância nos tempos de adolescência nos ensinaria a não sermos doentios, mas jamais deixaríamos nosso amor ser racional. Gosto de pensar que teríamos um amor velho, de mil anos, mesmo sendo juvenalmente apaixonados. As injustiças do dia a dia não importariam muito ao seu lado. Gosto de acreditar que se tivéssemos dado tempo ao tempo, teríamos dado brilhantemente certo. 

Hoje, vejo que não precisaríamos de plano ou ilusão alguma. Bastaria acreditar que, de alguma forma, éramos maior que tudo que pensávamos.

(Não fomos)

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Briguei com a rosa.

Me assusta que eu tenha a rosa mais bonita do jardim nas mãos e ainda assim não tenha perdido o desejo insano dos homens de destruir e arrancar, uma por uma, cada pétala. E me dá dó, que logo você, meu amor, se pareça tanto, mas tanto com a última rosa da minha jardineira.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Síndrome da pena.

Pomba!
Uma pena!
Que pena...
Tu penas?
Penando.
Pesando, apesar.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Dificílimo.

Difícil. 
Dificies. 
Difíceis. 

E se eu não quiser escrever sobre plural de problema difícil nenhum?

Se eu não souber escrever,
não pode acontecer.
Né?